A principal doença neurológica que acomete os Cavaliers é a Seringomielia secundária à Má-Formação de Chiari. Em poucas palavras, o termo Seringomielia consiste na dilatação do canal central da medula (por onde passa o líquor). Essa dilatação é sempre secundária e também pode ser causada por infecções, tumores e traumas, porém nos Cavaliers está estatisticamente relacionada à Má-Formação de Chiari.
A Má-Formação de Chiari é provocada pelo aumento da pressão intracraniana e se caracteriza por uma série de mecanismos compensatórios que alteram a anatomia do crânio e do encéfalo.
Em sua forma mais grave, a Seringomielia provoca lesões na medula que provocam dor, paresia e paralisia, impactando gravemente a qualidade de vida do cão. Ela passou desapercebida por décadas e só foi descoberta no final da década de 90, após a intrudução da ressonância magnética na medicina veterinária.
Prevalência
Essa doença é rara na maioria dos cães, mas aparece com frequência relevante em Chihuahuas, Spitz Alemães, Pugs, Yorkshires e Griffons de Bruxellas. Os Cavaliers aparecem como a raça mais afetada.
Estima-se que 25% dos Cavaliers desenvolvem Seringomielia entre 1 e 3 anos de idade. A incidência cresce junto com a idade e a gravidade dos sintomas estão associadas à precocidade da condição, pois os sintomas progridem com o passar do tempo.
Entenda melhor a Má-Formação Semelhante à Chiari
Até agora, os estudos indicam, com elevada segurança, que a presença de Seringomielia nos Cavaliers está estatisticamente associada à Má-Formação de Chiari.
Por sua vez, a Má-Formação de Chiari permanece um mistério, muito embora tenham surgidos numerosos insights na última década sobre o que pode causá-la e qual o mecanismo das alterações que provoca no organismo do cão. O fator mais estudado é também o mais obviamente revelado nos exames de imagens: a herniação do cerebelo bloqueando o forame magno. Porém, há evidências crescentes de que essa é apenas uma ponta do iceberg, pois outras alterações anatômicas têm sido associadas à condição.
Causas e alterações presentes na Má-Formação de Chiari [inserir imagem 1 da má-formação]
As hipóteses para sua causa propõem que a condição surge devido à calcificação precoce das placas cranianas e/ou anomalias nos processos de desenvolvimento embrionário mediados pela Crista Neural Mesênquima, que levariam a uma desproporção do crescimento do cerebelo e da região occipital que o abriga no crânio. Por isso, a maioria dos meios de divulgação científica afirmam que a Má-Formação Semelhante à Chiari ocorre porque os Cavaliers possuem um encéfalo muito grande em relação ao tamanho do crânio, porém isso ainda não está confirmado.
Anatomia da condição é extremamente complexa [inserir imagem 2 e 3 da má-formação]
Em um primeiro momento, acreditava-se que o tamanho do cerebelo do cavalier em relação a outras raças seria proporcionalmente maior do que o volume suportado pelo seu crânio. A principal hipótese para esse fenômeno seria o fechamento precoce das placas cranianas em cavaliers, decorrentes de uma anomalia de desenvolvimento ainda na fase embrionária.
Porém, um estudo alemão de 2011 desafiou essas hipóteses, quando comparou o volume do cerebelo do cavalier com cães da raça bulldog. Esse estudo constatou que ambas as raças possuem a mesma proporção de volume entre o crânio e cerebelo, sugerindo que há algum fator desconhecido no mecanismo que provoca a Má-Formação Semelhante à Chiari. Afinal, se o volume do encéfalo das duas raças é equivalente, a incidência da condição deveria ser também equivalente nas duas raças. Contudo a incidência em bulldogs é bastante rara. Portanto, tudo leva a crer que o mecanismo e a gênese da Má-Formação Semelhante à Chiari são extremamente complexos e ainda não estão totalmente esclarecidos.
Resultados das pesquisas mais recentes
Ademais, os pesquisadores têm atualizado crescentemente a descrição da má-formação, pois à medida que mais estudos são realizados, vêm sendo constatados outros padrões anatômicos, para além daqueles já bem conhecidos no cerebelo e na região occipital do crânio.
Os estudos encontraram uma prevalência relevante de anormalidades venosas que provocam redução na drenagem linfática e venosa, bem como diversas outras anormalidades anatômicas no stop (ângulo onde o nariz e o crânio se encontram), na concavidade do prosencéfalo, na rotação do bulbo-ofatório, entre outros. Sendo assim, apesar de todo esforço que vem sendo empreendido e dos valiosos insights produzidos, ainda não foi possível estabelecer uma causa direta e inquestionável entre alterações anatômicas do crânio e do encéfalo, a Má-Formação Semelhante à Chiari e a Seringomielia.
O que o criador pode fazer para melhorar a saúde neurológica da raça?
A Seringomielia só pode ser diagnosticada através de Ressonância Magnética. Outros exames de imagem como ultrassom, tomografia ou raio-X não são capazes de realizar o seu diagnóstico. Infelizmente, a ressonância magnética veterinária é um exame caro, que nos cães só pode ser realizado com sedação (o custo para o exame gira em torno de R$5.000). Ainda é muito difícil encontrar criadores que estejam dispostos a investir recursos para adotar o protocolo que combate a ocorrência dessa terrível doença na raça.
Protocolo de seleção de reprodutores com eficâcia comprovada
Um grupo de neurologistas dedicados, advindos de cinco países, aprimorou e aprovou em 2006, durante uma conferência na Inglaterra, um protocolo de seleção desenvolvido pela dupla de pesquisadoras inglesas, Dr. Claire Rusbridge e Dr. Susan Knowler, com diretrizes que auxiliam os criadores à selecionar e cruzar os reprodutores, com o objetivo de combater a frequência de casos graves de Seringomielia.
Em 2011 a eficácia do protocolo foi comprovada pelo Colégio Europeu de Neurologia Veterinária através de um estudo que analisou 643 cavaliers. Foi constatado que 71,5% dos filhotes cujos pais confirmaram estar livres de seringomielia através de ressonância magnética, também estavam livres de seringomielia. Enquanto 96% dos filhotes cujos pais possuíam o diagnóstico de seringomielia apresentaram o mesmo diagnóstico. Isso significa que as estratégias de reprodução, baseadas no exame de ressonância magnética possuem grande potencial para a redução da ocorrência desta doença na raça.
Outro estudo holandês mais recente, de 2024, analisou 2.125 cavaliers nascidos entre 1998 e 2021 a fim de avaliar o efeito da adoção do protocolo de reprodução, no longo prazo. O resultado constatou que os cães submetidos ao protocolo possuem 3x menos chance de desenvolver seringomielia. O mesmo estudo também constatou que a adoção do protocolo reduziu em 11% a prevalência de seringomielia no período estudado.
Em consonância com o protocolo de Dr. Claire Rusbridge e Dr. Susan Knowler, todos os nossos cavaliers são avaliados por um neurologista e examinados através de ressonância magnética do crânio e da cervical. Cães que apresentam seringomielia antes de 1 ano de idade não entram para o time de reprodutores.
Importante: esteja atento para não financiar criadores negligentes
Não podemos perder de vista, que há uma predisposição a essa doença devido a uma má-formação do crânio presente nos Cavaliers, conhecida como Má-Formação Semelhante à Chiari. Os estudos mais conservadores indicam que pelo menos 50% dos Cavaliers apresentam essa má-formação entre 1 e 3 anos de idade. Isso nos coloca numa situação de alto risco, pois há um enorme potencial para que os casos graves venham a se tornar mais frequentes na raça. Já se passaram quase 20 anos desde a criação do protocolo e ainda é raro encontrar criadores investindo recursos para adotá-lo. Já se passaram 10 gerações que
poderiam ter sido trabalhadas para a melhoria genética da raça.
Na nossa cidade, ainda não há equipamento de ressonância magnética veterinária, mas isso não é um impedimento para nós. Fazemos questão de investir os recursos necessários e viajamos até São Paulo para cumprir a nossa responsabilidade com a melhoria da saúde da raça que amamos.
Ressonância Magnética é indispensável para seleção de reprodutores
É importante ressaltar que casos graves de seringomielia ainda são raros, mas casos subclínicos são muito frequentes. Uma parcela relevante dos cavaliers desenvolvem seringomielia sem manifestar nenhum sintoma. Por isso, reproduzir Cavaliers sem realizar o exame de ressonância aumenta o risco de que a Seringomielia se estabeleça na raça em sua forma grave.
Por isso, é de extrema importância que sejam adotadas todas as ferramentas disponíveis para impedir que essa terrível doença se estabeleça na raça. Trata-se de uma doença muito séria, que afeta gravemente a qualidade de vida dos cães acometidos. Não devemos aguardar até que a situação seja irreversível. É necessário agir agora.